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Ana Paula Ávila*
São muitos e significativos os impactos da Inteligência Artificial (IA) no setor financeiro, que trazem melhorias para a eficiência, a personalização e a segurança das operações financeiras. Tome-se por exemplo uma situação corriqueira: a realização de uma compra com o cartão de crédito. O processo que hoje se dá de forma automatizada envolve milhões de titulares de cartões e milhares de transações que podem ocorrer simultaneamente. Imagine o custo operacional se cada autorização de compra fosse individualmente apreciada por alguém que deveria avaliar, pelo menos, se a compra está dentro do limite de gastos do usuário, se se adequa ao seu perfil de consumo, se é feita no país de origem do titular, dentro do horário normal de operações comerciais, se a transação é presencial por cartão físico ou se é virtual e, neste último caso, se os dados imputados pelo usuário correspondem aos dados do titular. Esses são só alguns itens do longo “check list” que o operador teria de avaliar a cada nova autorização e o tempo de conferência manual seria incompatível com o dinamismo dos usuários, que exigem soluções eficientes e ágeis em suas rotinas.
Esse exemplo serve apenas para mostrar que o uso de algoritmos para a tomada de decisões não é nenhuma novidade no sistema financeiro, onde diversas tecnologias são empregadas para que decisões complexas ocorram de forma praticamente instantânea. Isso se dá graças à capacidade que as máquinas possuem para analisar imensa quantidade de dados, filtrar os pontos de interesse e tomar decisões em questão de segundos.

1. A Revolução da Informação:

A agilidade é a grande marca da “Era do Big Data”, expressão que significa uma verdadeira revolução na forma como lidamos com as informações. Com a crescente digitalização da sociedade e dos negócios, volumes imensos de dados são gerados, armazenados e analisados em uma escala sem precedentes.  Na área financeira, o próprio Open Finance foi uma inovação que permitiu a interação entre diversos participantes do mercado e o compartilhamento de dados financeiros entre eles, aumentando a disponibilidade e a qualidade dos dados utilizados pelos algoritmos nas tomadas de decisão na área das finanças. Isso resulta em modelos mais precisos e informados, uma vez que os algoritmos podem analisar uma gama mais ampla de informações, incluindo histórico de transações, perfil do usuário e comportamento financeiro.
Soma-se a isso o machine learning, que é a capacidade das máquinas de não apenas tomar decisões ágeis com base em padrões identificados nos dados, mas também de aprender e se aprimorar ao longo do tempo. Isso ocorre através da exposição contínua a novos dados, permitindo que os algoritmos de aprendizagem ajustem seus modelos para se adaptarem a mudanças e complexidades nas informações. Essa habilidade de aprendizado contínuo é um elemento chave para aprimorar a precisão e a eficácia das decisões tomadas pelas máquinas.

2. Aplicações no Sistema Financeiro:

No sistema financeiro há muitas as aplicações de IA em atividade, entre as quais destacamos algumas:
  • Prevenção a Fraudes:
A IA é amplamente usada na detecção de fraudes financeiras. Algoritmos de aprendizado de máquina podem analisar padrões complexos e detectar anomalias nas transações, identificando atividades suspeitas e reduzindo o risco de fraude em cartões de crédito, contas bancárias e outras transações financeiras.
  • Direcionamento de Produtos Financeiros:
A IA permite às instituições financeiras analisar dados dos clientes para oferecer produtos e serviços personalizados. Com base nos hábitos de gastos, histórico de transações e outros dados, os bancos podem recomendar produtos financeiros relevantes, como cartões de crédito, empréstimos ou investimentos.
  • Análise de Risco de Crédito:
Esta aplicação permite que os credores determinem a probabilidade de inadimplência de um tomador de empréstimo ou financiamento. Modelos de aprendizado de máquina analisam dados de histórico de crédito, comportamento de pagamento e outras informações para prever a capacidade de pagamento de um cliente. Esses dados também subsidiam aplicações de “credit score”, ferramentas que geram pontuações utilizadas pelas instituições financeiras para avaliação do risco de crédito. Nessas operações são processados grandes volumes de dados de maneira rápida e eficiente, permitindo uma análise mais abrangente e precisa do histórico financeiro e do comportamento dos clientes. No entanto, essas ferramentas trazem riscos importantes que podem afetar direitos dos titulares de dados, sobretudo em razão de vieses que podem se manifestar nos algoritmos e levar à discriminação injusta de certos grupos, impedindo o acesso igualitário a oportunidades financeiras.
  • Chatbots e Atendimento ao Cliente:
Hoje quase todos os bancos disponibilizam chatbots aos clientes, em que a IA é utilizada para responder às perguntas em tempo real, fornecendo suporte 24 horas por dia. Eles podem auxiliar os clientes a entenderem suas contas, fazerem transações e obterem informações sobre produtos e serviços.
  • “Valuation” na Área de Investimentos:
A IA também tem sido usada para análise de investimentos e avaliação de ativos. Algoritmos de aprendizado de máquina podem analisar grandes conjuntos de dados para prever tendências de mercado, avaliar o desempenho de ações e outros ativos, e ajudar investidores a tomar decisões informadas.
  • Gestão de Riscos:
A IA ajuda as instituições financeiras a gerenciar riscos identificando potenciais riscos de mercado, crédito e operacionais. Algoritmos de IA analisam uma variedade de fontes de dados para avaliar e prever riscos, permitindo uma gestão mais eficaz e uma tomada de decisões mais fundamentada.
 Gestão de Portfólio:
A IA auxilia na construção e gerenciamento de portfólios de investimentos. Ela pode analisar o perfil do investidor, metas financeiras e apetite ao risco para recomendar alocações de ativos que estejam alinhadas com os objetivos do cliente.

3. Fatores de Risco:

Como em todas as áreas, os benefícios da IA vêm acompanhados de riscos e desafios que precisam ser cuidadosamente considerados e gerenciados. As preocupações neste tema são compartilhadas em nível global e demandam soluções multidisciplinares envolvendo não só questões técnicas, mas, sobretudo, éticas, que devem se tornar alvo de regulamentação futura.
Uma dessas preocupações diz respeito aos vieses discriminatórios, eis que os modelos de IA podem ser influenciados por preconceitos dos programadores ou que estejam presentes nos próprios dados usados para o treinamento dessas tecnologias. Isso pode resultar em decisões discriminatórias em áreas como concessão de empréstimos, contratação e precificação de produtos, afetando injustamente certos grupos de pessoas e fazendo crescer ainda mais a desigualdade social. O treinamento da IA com dados de má qualidade, incompletos ou imprecisos é um outro risco potencial, pois esses dados podem levar a decisões erradas ou enviesadas.
Soma-se a isso a preocupação com a falta de transparência e de explicabilidade dos critérios empregados na tomada de decisões algorítmicas, pois muitos modelos de IA são complexos e de difícil interpretação. A própria aprendizagem da máquina pode fazer com que ela se afaste do script inicial e passe a tomar decisões imprevisíveis. Isso tudo pode dificultar a compreensão das decisões tomadas pelos algoritmos, o que é um desafio em termos de responsabilidade e prestação de contas por quem desenvolve e opera essas tecnologias.
Paralelamente, o aumento do uso de IA pode aumentar os riscos à segurança e à privacidade dos indivíduos que se encontram mais expostos e sujeitos a decisões que afetam suas liberdades de modo inesperado. A exposição é particularmente grave quando envolve dados sensíveis, como informações financeiras e pessoais, que podem ser utilizadas em detrimento do titular.
Considerados os dados pessoais, o risco de vazamento é não menos importante pois há, em nível global, enorme preocupação com ataques cibernéticos e fraudes. Explorar vulnerabilidades e acessar indevidamente a quantidade massiva de dados manipulados pelas tecnologias de IA pode colocar os usuários em risco de se tornarem vítimas de fraudes mediante uso de engenharia social.
Outra preocupação mundial que afeta o setor bancário diz respeito ao desemprego e às transformações do trabalho. De fato, a automação impulsionada pela IA pode levar à perda de empregos em algumas áreas do setor financeiro. Yuval Harari, em seu livro “21 Lições para o Século 21”, explorou muito este impacto argumentando que a automação pode resultar na substituição de empregos humanos por máquinas e algoritmos altamente eficientes. Ele sugere que, à medida que as máquinas se tornam mais capazes de realizar tarefas complexas, muitos trabalhadores enfrentarão o desafio de se manterem relevantes em um mercado de trabalho em rápida evolução. Essa realidade, já percebida por todos nos caixas eletrônicos, exigirá que os trabalhadores adquiram novas habilidades para se adaptarem a um ambiente em permanente desenvolvimento.
Por outro ângulo, a falta de supervisão humana é também um risco, pois a intervenção humana pode ser necessária para a tomada de decisões que exijam avaliação crítica ou ética. A falta dessa supervisão pode levar a decisões injustas, preconceituosas ou discriminatórias, ou levar a resultados imprevisíveis e situações emergentes não planejadas. Assim, supervisão humana é essencial para garantir que a IA opere de maneira responsável, transparente e em conformidade com os valores e objetivos da sociedade.
Finalmente, especialistas alertam para o risco de manipulação de mercado por algoritmos, por meio da criação cenários de compra e venda artificiais para influenciar preços de ativos. O ano de 2010 foi marcado pelo “Flash Crash”, em que o índice Dow Jones Industrial Average caiu mil pontos em questão de minutos, causando um pânico generalizado. Investigações revelaram que algoritmos de negociação de alta frequência foram um dos principais fatores por trás desse evento, pois realizaram uma série de negociações automatizadas em um curto período, gerando, com isso, um efeito cascata que amplificou a queda dos preços .
Para mitigar esses riscos, é essencial que as instituições financeiras adotem – e exijam, dos desenvolvedores terceirizados de tecnologia – práticas rigorosas de governança em IA, realizem testes e avaliações abrangentes, garantam a transparência em suas operações, implementem medidas de segurança cibernética robustas e garantam que a tomada de decisões permaneça sujeita a revisão humana. Além disso, a colaboração entre reguladores, indústria e especialistas em IA será fundamental para estabelecer padrões éticos e regulatórios sólidos para o uso responsável da IA no setor financeiro.
*Ana Paula Ávila é advogada e  coordenadora da área de Compliance de Silveiro Advogados, Vice-Presidente da Comissão Especial de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RS, mestre e doutora em Direito pela UFRGS, mestre em Global Rule of Law pela Universidade de Gênova (Itália) e especialista em Gestão de Crise e em Cibersegurança para Gestores pelo MIT (EUA).