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Por Ricardo Medidas Sala e Ricardo Razonlin

O Novo PAC vem aí, com investimentos públicos e privados que devem chegar à casa do trilhão de reais nos próximos quatro anos, de acordo com informações fornecidas pelo governo federal. Uma das diferenças, agora, é que as obras poderão finalmente se valer de dispute boards, uma vez que a nova Lei de Licitações autoriza expressamente o emprego do mecanismo, denominando-o de comitês de resolução de disputas.

Está aí a grande chance de se evitarem os enormes erros e prejuízos que se verificaram no PAC do passado, especialmente se os dispute boards forem aplicados em seu máximo potencial para resolver muito rapidamente os impasses das obras.

Afinal, como se sabe, esses mecanismos são vocacionados a mitigar, com excelência, os conhecidos e crônicos problemas das obras brasileiras: infindáveis atrasos, paralisações, abandono e perecimento de obras inacabadas, com sobrecustos estratosféricos e prejuízos a toda uma grande cadeia de fornecedores, bem como aos contribuintes e usuários, que seriam seus destinatários finais.

Medidas de urgência contra decisão do dispute board

Justamente para que se possa aproveitar os dispute boards em seu máximo potencial, vale considerar algumas dicas e reflexões sobre a sua aplicação. E este artigo se propõe a tratar de uma delas, mais especificamente da utilização de medidas de urgência – cautelares e antecipatórias — seja para, indevidamente, suspender os efeitos das decisões de dispute boards, seja para acertadamente garantir-lhes cumprimento.

Refere-se aqui à modalidade de dispute board denominada dispute adjudication board, na qual o comitê não emite mera recomendação (como ocorre no dispute review board), mas sim uma decisão adjudicatória sobre a divergência havida em uma obra. Nesse caso, como se depreende da opinião já esboçada acima, as medidas de urgência são instrumentos incompatíveis com os princípios que sustentam os dispute boards, quando ajuizadas para obstar os efeitos imediatos das decisões dos comitês. Explica-se.

É natural que a parte vencida, numa controvérsia julgada por qualquer instância que seja, se ressinta da decisão e queira revertê-la. Contudo, quando uma decisão é emitida por um dispute board, é imperativo que ela seja cumprida de pronto, e siga repercutindo seus efeitos até que, eventualmente, ela venha a ser definitivamente desconstituída em âmbito jurisdicional, ao cabo de uma ação ou procedimento arbitral de conhecimento. E, claro, se a decisão do comitê vier a ser mantida por uma sentença judicial ou arbitral, aí não haverá mais o que se possa fazer.

Ricardo Stuckert
Em outras palavras, até que venha um eventual julgamento definitivo para derrubar a decisão do dispute board, esta segue valendo. É principiológico, é da essência da contratação dessa ferramenta. Pague-se agora e discuta depois.

Bem por isso que uma medida de urgência que vise a retirar os efeitos imediatos de uma decisão de dispute board de adjudicação atenta contra o coração do mecanismo, que, por sua natureza, reproduz melhor que qualquer outra solução liminar, judicial ou extrajudicial, a plausibilidade do direito.

É isso que as partes contratam quando elegem a via do dispute adjucation board em um contrato de construção: a forma de solução imediata no caso de conflitos que gerem impasse ao seguimento da obra — sem prejuízo de uma decisão judicial ou arbitral definitiva, proferida a posteriori, que possa (eventual, mas improvavelmente) desconstituí-la. Em suma, a aplicação do dispute board decorre de uma escolha contratual das partes, que preferem a solução de continuidade da obra, por meio do seguimento da deliberação provisória do board, a ter de se sujeitar aos graves prejuízos que poderiam decorrer da paralisação da obra.

In dubio, pro board

Lembra-se que os boards são integrados por especialistas na matéria da obra, nomeados pelas próprias partes, que verificam diretamente e in loco o impasse que está ocorrendo. Por isso mesmo, eles têm a melhor condição de proferir decisão provisória sobre o que deverá ser implantado pelas partes, de modo que a obra não sofra interrupções.

Na prática, uma medida judicial ou arbitral de urgência buscaria enxergar de onde vem apenas a fumaça do bom direito. Ora, quem melhor para dizer se uma parte tem ou não direito sobre determinado pleito de obra?

Um juízo de mera cognição sumária, baseado apenas no relato das partes e em documentos complexos que lhe são apresentados de supetão, ou um comitê formado por experts imparciais nomeados na forma convencionada pelas partes, que, visitando rotineiramente o canteiro, acompanham a obra, conhecem a fundo o contrato, têm prévio acesso aos documentos produzidos em campo e detêm especialidade profissional sobre aquele tipo específico de empreendimento?

A óbvia resposta às perguntas feitas acima foi dada pela jurisprudência, em caso que envolvia o Metrô de São Paulo e o consórcio construtor da Linha 4 Amarela. Depois de sair derrotado em procedimento julgado por um dispute board, o Metrô buscou amparo cautelar no Judiciário, que, em primeiro grau, concedeu-lhe a liminar para suspender os efeitos da decisão do comitê. Essa deliberação não tardou em ser cassada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que acolheu o agravo interposto pelo consórcio, e fez surgir, entre operadores da prática, o novo jargão: in dubio, pro dispute board.

É importante aclarar que o ajuizamento de medidas de urgência poderá ocorrer, já que não há uma vedação prévia à distribuição de feitos desta natureza, mesmo que seu propósito seja o de desafiar liminarmente a decisão de um dispute board. Contudo, a concessão de tutela de urgência, com o fito de superar ou suspender efeitos de decisões de dispute boards, deve ser considerada apenas em circunstâncias de excepcionalidade absoluta, em que se verifiquem gravíssimas e manifestas ilegalidades.

No mais, seria impróprio desconsiderar a regra livremente pactuada que impõe o cumprimento imediato das decisões dos dispute boards. Se há avença que estabeleça a regra presente no axioma “pay now, argue later”, ela deve ser observada e posta em prática. A decisão deve, portanto, ser adimplida pelas partes como qualquer outra obrigação entabulada no contrato.

Como se viu, priorizar o cumprimento imediato das decisões dos Dispute Boards deve ser a regra, jamais a exceção. Precisamente, por essa razão, tem-se que as medidas de urgência eventualmente ajuizadas devem garantir o cumprimento imediato de decisões emitidas por dispute boards, quando estas não forem adimplidas de pronto pela parte vencida. Afinal, o desrespeito à decisão do comitê atentaria contra a própria plausibilidade/fumaça do bom direito (pelo inadimplemento contratual flagrante), assim como configura periculum in mora (por colocar em risco o avanço da obra).

Ricardo Medina Salla, sócio de Toledo Marchetti Oliveira Vatari e Medina Advogados, é Diretor do Instituto Brasileiro de Direito da Construção, Bacharel, mestre e doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo. Ricardo Ranzolin e sócio de Silveiro Advogados, é mestre em arbitragem pela PUC-RS, pós-graduado em Business Administration pela Harvard Business School, presidente da Camers, ex- presidente da Comissão de Arbitragem da OAB nacional e autor do site Arbipedia.com.