Caroline Pomjé e Tainá Franck Sarmento
Os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a expectativa de vida média no Brasil evidenciam que, após queda da esperança de vida no período pandêmico (em 2020 e 2021), a projeção retomou o crescimento em 2022, atingindo o patamar médio de 75,5 anos.
Expectativa consideravelmente superior à projetada nos anos de 1940 (45,5 anos), 1970 (57,6 anos) e 2000 (69,8 anos) [1]. Com a ampliação da expectativa de vida da população, novos desafios são identificados — seja no âmbito de políticas públicas, seja na realidade familiar dos sujeitos.
Especificamente no ambiente privado, as pessoas idosas — assim consideradas, pela Lei nº 10.741/2003, que instituiu o Estatuto do Idoso, aquelas que possuem idade igual ou superior a 60 anos — são titulares de proteção conferida em nível constitucional.
Com efeito, a Constituição estabelece, no artigo 230, que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”, sendo tal proteção reiterada por meio do Estatuto do Idoso.
Cuidador de idosos
Dentre os desafios que emergem da ampliação da expectativa de vida da população e do dever da família de prestar o adequado amparo à pessoa idosa está a operacionalização da rotina de cuidados com o idoso, especialmente se tais cuidados forem prestados dentro da própria residência da pessoa.
Consequência de tal necessidade vivenciada pelas famílias é o significativo aumento da procura por profissionais que prestem esses serviços de cuidados. Entre 2007 e 2017, conforme dados divulgados pelo Ministério do Trabalho, o número de cuidadores de idosos passou de 5.263 para 34.051, evidenciando um aumento de 547% [2] e a indispensável atenção aos possíveis reflexos trabalhistas de tal prestação de serviços.
A atividade de cuidador de pessoas idosas está incluída na tabela de ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego e pode ser exercida em uma relação típica de emprego celetista ou nas modalidades de emprego autônomo, doméstico ou voluntário.
O cuidador regido pela Consolidação das Leis do Trabalho é aquele que possui contrato individual de trabalho, com acordo expresso ou tácito quanto à relação de emprego. Já o empregado autônomo exerce por conta própria a atividade profissional remunerada e seus serviços geralmente são eventuais ou esporádicos.
No que se refere ao cuidador doméstico, a contratação não visa à obtenção de lucro, mas o amparo à pessoa ou à família, no âmbito residencial desta e mediante salário, havendo regulamentação dos direitos e deveres da categoria na Lei Complementar nº 150/2015.
Por fim, o voluntário presta os devidos cuidados às pessoas idosas em residências ou entidades sem qualquer fim lucrativo, por livre vontade e de forma gratuita. Nessa relação não há, pois, onerosidade, e sim bondade e generosidade no amparo.
Vínculo trabalhista
Embora a lei antes referida conceitue o trabalhador doméstico e estabeleça seus direitos, é tênue a linha entre este e o empregado comum celetista no âmbito dos cuidadores de idosos. Para a Justiça do Trabalho, o cuidador que preencha os requisitos formais da relação de emprego, quais sejam, pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação, é reconhecido como empregado e tem assegurados os respectivos direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/1943 com alterações pela Lei 13.467/2017).
É importante, assim, que as exigências do tomador do serviço e a prestação das atividades observem a regulamentação de cada relação, para que a contratação seja lícita e não ofereça riscos trabalhistas.
O vínculo trabalhista restará configurado quando o cuidador atuar mais de três dias por semana no local de cuidados ao idoso, situação que ensejará a necessidade de anotação formal da relação de emprego e a possibilidade de que seja obtido o reconhecimento em eventual postulação judicial.
Equilíbrio na relação de trabalho
Outro ponto importante se relaciona à observância das atividades típicas desempenhadas pelo cuidador de idosos. Por se tratar de âmbito residencial domiciliar, o respectivo trabalho se amolda à execução de tarefas em âmbito doméstico, e muito embora os serviços se mostrem compatíveis com a condição pessoal do prestador, a cautela na delegação de outras tarefas domésticas deve existir, para que não se configure o acúmulo de funções.
Ou seja, a prestação do serviço deve ser direcionada única e exclusivamente ao idoso, uma vez que tarefas relacionadas à limpeza e à cozinha, por exemplo, se desempenhadas com habitualidade, podem vir a desequilibrar a relação e destoar a natureza do cargo, o que pode ensejar um acréscimo salarial pelo referido acúmulo.
O desafio nestas relações, portanto, está em conciliar a necessidade de amparo e acolhimento da pessoa idosa, com a prestação de cuidados por profissionais capacitados, com regularidade e conformidade às disposições trabalhistas, prevenindo os possíveis riscos decorrentes de uma discussão judicial sobre o tema.
[1] – AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS. Em 2022, expectativa de vida era de 75,5 anos. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/38455-em-2022-expectativa-de-vida-era-de-75-5-anos. Acesso em 19 mar. 2024.
[2] – RÁDIO SENADO. Atividade de cuidador pode ser reconhecida no Estatuto da Pessoa Idosa. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2023/12/18/atividade-de-cuidador-pode-ser-reconhecida-no-estatuto-da-pessoa-idosa Acesso em 19 mar. 2024.
Caroline Pomjé, é advogada da área de Direito de Família e Sucessões do escritório Silveiro Advogados, mestre em Direito Privado pela UFRGS e doutoranda em Direito Processual Civil pela USP. Tainá Franck Sarmento é advogada da área de Direito do Trabalho do escritório Silveiro Advogados, especialista em Direito e Processo do Trabalho.
Fonte Conjur
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