Por Maurício Brum Esteves
O 1º de janeiro é sempre um dia de muitas novidades. No campo do direito de autor, é o dia de conhecermos as obras que entram em domínio público.
Neste ano, a notícia que normalmente fica restrita aos veículos especializados na matéria ganhou uma abrangência diferenciada. O motivo? O rato mais famoso do mundo, Mickey Mouse, estaria entrando em domínio público, uma vez que transcorrido o prazo de 95 anos da publicação do curta-metragem de estreia de Mickey, Steamboat Willie, de autoria de Walt Disney e Ub Iwerks, ocorrida em 18 de novembro de 1928.
Sem adentrar nos pormenores de legislações estrangeiras, como a legislação brasileira enfrenta a questão que ganhou os noticiários?
Direitos
Para quem ainda não sabe, o criador de uma obra estética — literária, artística ou científica — possui uma série de direitos que lhe assistem.
No Brasil, tais direitos estão previstos na Lei de Direitos Autorais (LDA), Lei Federal nº 9.610/98, e abrange, por exemplo, o direito do criador de utilização exclusiva das suas obras.
Tal direito, no entanto, não é permanente, mas restrito no tempo. Em nosso país, como regra, nos termos do artigo 41 da LDA, “os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento”.
Ultrapassado o prazo de proteção legal, a obra entra em domínio público.
Artigo 44
Situação especial ocorre com as obras audiovisuais, cujo cômputo do prazo de proteção, de acordo com o artigo 44, da LDA, muito embora seja de 70 anos, não decorre do falecimento do criador, mas da divulgação da obra.
Essa distinção entre a regra geral do prazo de proteção e a exceção das obras audiovisuais é crucial para compreendermos se o rato mais famoso do mundo, de fato, entrou em domínio público, ou não. Inclusive, porque, conforme é cediço, Walt Disney faleceu há 58 anos, em 15 de dezembro de 1966, e Ub Iwerks há 53 anos, em 7 de julho de 1971, de modo que pela regra geral, quaisquer de suas obras poderiam estar em domínio público, salvo eventuais exceções legais ao prazo de proteção.
Justamente, é uma das exceções ao prazo de proteção que nos interessa, in casu. Mais precisamente, a exceção às obras audiovisuais.
Isso porque, conforme visto, o cômputo do prazo de proteção, nesta hipótese, decorre da divulgação da obra, e não do falecimento do seu autor, e o curta-metragem Steamboat Willie, de fato, foi publicado há mais de 70 anos; mais precisamente, há 96 anos, de modo que, pela exceção da obra audiovisual, o filme de estreia de Mickey Mouse encontra-se em domínio, no Brasil, desde 1999.
Em que pese haja, no mundo, uma consistente uniformização das legislações de propriedade intelectual, em razão de tratados internacionais como a Convenção de Berna (1886), desde que respeitadas as balizas mínimas de proteção e estendidos aos estrangeiros os mesmos direitos que são concedidos aos seus nacionais (princípio do tratamento nacional), cada país pode regular a matéria conforme os seus próprios interesses.
Isso significa que, muito embora a proteção às obras ocorra de forma transnacional, haja vista os princípios da proteção automática e da ausência de formalidades garantidos pela Convenção de Berna, cada país regulará a matéria de forma ligeiramente diferente.
Ou seja, uma obra criada nos Estados Unidos (Steamboat Willie, por exemplo) será protegida, independentemente de registro e qualquer outra formalidade, em todos os países signatários da Convenção de Berna, como o Brasil.
Proteção transnacional
Agora, os termos específicos da proteção transnacional garantida mudará de país para país. No Brasil, a LDA não prevê qualquer prazo de proteção superior a 70 anos. Isso significa que, eventual transcurso de prazos de proteção nos EUA, pouca influência terá no Brasil.
De acordo com a LDA, uma obra audiovisual se define como “a que resulta da fixação de imagens com ou sem som, que tenha a finalidade de criar, por meio de sua reprodução, a impressão de movimento”. Pela exceção à regra, é a obra audiovisual Steamboat Willie, que se encontra em domínio público.
Com todo o respeito a entendimentos em sentido contrário, entende-se temerário afirmar que o personagem, Mickey Mouse, ou qualquer outra obra utilizada na configuração da obra audiovisual, tenha entrado em domínio público junto com o curta-metragem.
Certamente, a possível utilização de trechos do filme ocasionará na também utilização do personagem que encena o filme, nos exatos formatos e contexto das cenas. No entanto, o domínio público de todo e qualquer elemento que não se restrinja ao audiovisual, propriamente, seguirá a regra geral de 70 anos após o falecimento do autor — no caso do Mickey, com o acréscimo da regra da coautoria, ou seja, o cômputo do prazo ocorrerá não pela data de falecimento de Walt Disney (1966), mas de Ub Iwerks (1971).
Maurício Brum Esteves é advogado da área de Direito Digital do escritório Silveiro Advogados, mestre em Direito Público pela Unisinos e membro e ex-presidente da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB-RS e é Data Protection Officer (DPO).
Fonte: Conjur
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