Rodrigo Azevedo
A recente popularização de ferramentas baseadas em inteligência artificial generativa, capazes de criar conteúdos como textos ou imagens a partir de conjuntos de dados pré-existentes, e de interagir com e como seres humanos, tem causado euforia e perplexidade. De um lado, projetam-se ganhos de produtividade, avanços em pesquisas científicas e na resolução de problemas em níveis até então inimagináveis. De outro, evidenciam-se preocupações que vão além da perda de postos de trabalho, passando por vieses algorítmicos passíveis de causar discriminação e pela disseminação de conteúdos falsos de difícil identificação, construídos artificialmente a partir de fontes não fidedignas. Já no curto prazo, por exemplo, a crescente polarização e ruptura social poderia ser acelerada a partir de notícias, imagens ou vídeos realistas, gerados artificialmente a partir de conteúdos falsos. No longo prazo, segundo muitos, a própria humanidade estaria em risco, seja por força do caos gerado por esses novos contextos, seja mesmo pelo desenvolvimento de uma consciência artificial.
Nesse cenário, recentemente algumas das mais notórias lideranças em inteligência artificial surpreenderam o mundo ao publicar carta propondo a interrupção temporária de novos desenvolvimentos nesse campo, a fim de viabilizar a criação de protocolos comuns de segurança, de meios de distinguir a inteligência humana da artificial e de um ecossistema regulatório eficiente. A carta parece ingênua ao postular uma pausa no que é imparável: o avanço tecnológico. Aliás, nem mesmo a sociedade pode abdicar de um atraso em usufruir dos benefícios dessa inovação, especialmente na disseminação do conhecimento e na aceleração de pesquisas em áreas como a saúde, por exemplo. Mas o manifesto acerta ao formular apelo pela construção de princípios e referenciais éticos que sirvam como amarras sociais minimamente eficientes frente ao que ainda está por vir.
Esse último papel é normalmente exercido pelo direito. Quando a sociedade é impactada por uma grande inovação tecnológica ou modificação na forma como as pessoas se relacionam, a ausência de regras vigora durante um certo tempo, até que o legislador intervenha, determinando as práticas a serem estimuladas, proibidas ou, até mesmo, criminalizadas.
Desta vez, contudo, o desafio é maior do que o habitual. Apesar de proliferarem audiências públicas e projetos legislativos nacionais para a normatização das fake news e da própria inteligência artificial, por exemplo, os riscos associados a essa última tecnologia desconhecem fronteiras, tornando essa abordagem territorial absolutamente ineficaz.
Urge, então, que o tema seja alçado à condição de pauta global, juntamente com a proteção ao meio-ambiente, o combate às desigualdades econômicas ou às crises sanitárias, dentre outros. É chegado o momento de se buscar um novo – e difícil – consenso universal mínimo acerca de direitos e responsabilidades, mas também quanto aos valores essenciais da humanidade frente à inteligência artificial. Apesar do seu inegável protagonismo, a resposta, para tanto, não estará somente no direito, mas na filosofia, na sociologia, na psicologia e até mesmo nas artes: na compreensão do que nos faz verdadeiramente humanos e que viabilizará o convívio pacífico em sociedade, sem abdicar do desenvolvimento tecnológico.
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