A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que a falta de emissão de nota fiscal ou a sua emissão incorreta pode gerar responsabilização criminal imediata, mesmo que o processo administrativo tributário ainda não tenha sido concluído. O crime está previsto no artigo 1º, V, da Lei 8.137/1990 e prevê pena de reclusão de 2 a 5 anos para quem suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social e qualquer acessório mediante a conduta de negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
A decisão, proferida no Recurso em Habeas Corpus n. 209.207/GO[1], foi objeto de destaque no Informativo de Jurisprudência n. 865 publicado pela Corte na semana passada e enfrenta um ponto de debate recorrente: a aplicabilidade ou não da Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal (STF) ao tipo penal em questão. Tal enunciado estabelece que não se tipifica crime contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo. Isso significa que, nesses casos, o prévio esgotamento da via administrativa é imprescindível para o oferecimento de denúncia na esfera criminal. Como a súmula não faz referência expressa ao tipo penal do inciso V, há discussão sobre a extensão de seus efeitos.
O Relator, Ministro Sebastião Reis Júnior, destacou que, enquanto os incisos I a IV descrevem condutas que necessariamente resultam em supressão ou redução de tributo, o inciso V trata de crime de formal. Isto é, a simples realização da ação descrita na norma é suficiente para a sua configuração e, consequentemente, para o início da persecução criminal, ainda que o processo administrativo na esfera fiscal não tenha sido concluído. Conforme entendimento do STJ, a tutela penal seria voltada para a proteção da administração tributária e sua capacidade de fiscalização, sendo o dever de documentação fiscal o bem jurídico protegido.
Dessa forma, a interpretação conferida pela Sexta Turma reforça a independência entre as esferas penal e tributária no que diz respeito à apuração da prática do delito previsto no artigo 1º, V, da Lei 8.137/1990. Consequentemente, com base nesse entendimento, a instauração do procedimento criminal não depende do encerramento do procedimento administrativo tributário. Na prática, isso significa que, constatada em fiscalização a venda desacobertada de documento fiscal ou a emissão em desacordo com a legislação — como, por exemplo, omissão de itens, uso inadequado de CFOP ou divergência material entre a operação e o documento —, o inquérito policial e a eventual denúncia fundada no artigo 1º, V, da Lei 8.137/1990 podem avançar independentemente do término do processo administrativo. Nesse meio tempo, a Fazenda pode lavrar auto de infração, exigir tributos e aplicar penalidades por infrações acessórias e materiais (multas, juros, glosas de créditos e, conforme o caso, arbitramento).
Outro ponto que merece destaque diz respeito à prescrição na esfera penal: uma vez considerado crime formal, o delito previsto no inciso V se consuma no exato instante em que o agente realiza um dos verbos nucleares descritos no tipo, motivo pelo qual o início da contagem do prazo prescricional ocorre a partir da prática do fato delituoso e não da constituição definitiva do crédito tributário, como nos casos dos crimes dos incisos I a IV.
Considerando esse cenário, o que as empresas devem fazer:
(i) diagnóstico célere do passivo: decisão entre pagamento integral, com potencial de extinguir a punibilidade, ou parcelamento estrategicamente tempestivo, apto a suspender a persecução penal;
(ii) governança e compliance: o vetor crítico é o ecossistema documental. É recomendável revisar parametrizações, reforçar a política de emissão obrigatória de documentos, implementar reconciliações sistemáticas entre estoques, vendas e SPED.
A decisão é importante e deve ser levada em consideração, principalmente, pelos setores de alto volume transacional – varejo, serviços, alimentação e e-commerce – que devem priorizar a análise de risco, o plano de adequação e a regularização quando necessária, com foco na mitigação fiscal e penal. Por tais razões, é essencial contar com profissionais especializados que, a partir de uma análise integrada, aportem rigor técnico e mapeamento de riscos para orientar decisões empresariais.
Confira o acórdão na íntegra aqui: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202404800054&dt_publicacao=19/08/2025.
Referências:
[1] Recurso em Habeas Corpus n. 209.207/GO, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 12/08/2025, DJEN 19/08/2025.
Fernanda Gosmann Morais, advogada da área Criminal, e Mariana Barroco, advogada da área Tributária. Contatos: fernanda.morais@silveiro.com.br e mariana.barroco@silveiro.com.br.





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