O STJ e o STF definem a taxa aplicável às dívidas civis sem estipulação contratual. A alteração do artigo 406 do Código Civil (Lei n° 14.905/2024) e o julgamento do Tema 1.368 pela Corte Especial do STJ, consolidam a Taxa Selic como o parâmetro legal de atualização das obrigações civis, inclusive às anteriores à nova lei.
Origem da controvérsia
Desde 2003, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, até recentemente, a taxa de juros e o índice de correção monetária aplicáveis às dívidas civis — decorrentes de relações privadas, como contratos, indenizações e obrigações entre pessoas físicas ou jurídicas — vinham sendo fonte de intensa controvérsia judicial.
O impasse teve início porque a redação original do artigo 406 do Código Civil (alterada em 2024 pela Lei nº 14.905/2024) determinava que, quando não houvesse estipulação sobre a taxa de juros, deveriam ser aplicados os juros cobrados em impostos pela Fazenda Nacional, sem especificar qual seria essa taxa. A partir daí, formaram-se duas correntes principais: uma defendia a aplicação de juros de 1% ao mês, cumulados com correção monetária (IGP-M, INPC, IPCA, etc.), enquanto outra sustentava a aplicação apenas da Taxa Selic — utilizada pela Fazenda Nacional na cobrança de créditos tributários — que já engloba juros e correção monetária.
Em 2006, o STJ proferiu a primeira decisão reconhecendo a Selic como a taxa prevista no art. 406 do Código Civil. Outras decisões posteriores do mesmo tribunal seguiram no mesmo sentido, mas não de forma totalmente alinhada, já que alguns ministros mantinham posição divergente.
Apesar da relevância dos julgados pela aplicação da Selic, nenhum deles era dotado de efeito vinculante. Isso permitiu que tribunais estaduais continuassem aplicando critérios distintos, como juros de 1% ao mês somados à correção monetária. Até aproximadamente 2010, a diferença entre a adoção de um ou de outro critério era quase irrelevante em termos de valores. A partir daí, com a redução da taxa básica de juros (Selic), os cálculos passaram a divergir significativamente, tornando o impacto econômico da escolha do índice muito mais relevante.
A Lei nº 14.905/2024 e o novo marco legal
Em junho de 2024, foi aprovada a Lei nº 14.905/2024, que alterou o artigo 406 do Código Civil e estabeleceu regras claras para a atualização das dívidas civis, quando não houver taxa contratual estipulada:
- Juros de mora: calculados pela ‘taxa legal’, correspondente à Selic menos o IPCA;
- Correção monetária: pelo IPCA;
- Taxa negativa: se o resultado da taxa de juros for negativo, considera-se zero;
- Metodologia de cálculo: a ser definida pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional.
A nova lei marcou o início de um novo regime jurídico, trazendo mais clareza e previsibilidade para contratos e relações civis posteriores à sua entrada em vigor (30/08/2024).
Período anterior à Lei nº 14.905/2024 e o papel do STJ e do STF
Para as situações anteriores a agosto de 2024, a controvérsia permanecia. Todavia, recentes decisões das Cortes Superiores tiveram papel decisivo. Em março de 2024, a Corte Especial do STJ reconheceu que, desde 2002, a Taxa Selic é o índice aplicável às dívidas civis, quando não houver juros previstos em contrato. E que, por sua natureza híbrida, a Selic já engloba juros e correção monetária, afastando a possibilidade de sua acumulação com outros índices, como o IPCA, ou juros de 1% ao mês.
Essa orientação foi confirmada pelo STF em setembro de 2025, quando a 2ª Turma, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.558.191/SP, reconheceu a Selic como o índice legal de atualização das dívidas civis. O relator, ministro André Mendonça, observou que o artigo 406 do Código Civil remete à taxa de mora aplicável a tributos federais — atualmente a Selic —, que, sozinha, cumpre a função de corrigir e remunerar o valor da dívida.
Em 15 de outubro de 2025, o STJ voltou a enfrentar o tema, agora sob o rito dos processos repetitivos. A Corte Especial, por unanimidade, estabeleceu que a Taxa Selic deve ser usada para correções de dívidas civis, inclusive para casos anteriores à Lei 14.905/2024.
Essa decisão estabeleceu a tese do Tema 1368, nos seguintes termos: o art. 406 do Código Civil de 2002, antes da entrada em vigor da Lei 14.905/2024, deve ser interpretado no sentido de que é a Selic a taxa de juros de mora aplicável às dívidas de natureza civil, por ser esta a taxa em vigor para a atualização monetária e a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Assim, o entendimento firmado pela Corte Especial do STJ, em sede de recurso repetitivo, passa a ser vinculante e deve ser seguido por todo o Judiciário.
Conclusão e perspectivas
As decisões recentes do STJ e do STF consolidam entendimento: a Selic como índice de referência para a atualização das dívidas civis quando não houver outro critério previsto contratualmente.
Essa evolução sinaliza o encerramento de uma antiga e relevante discussão do direito civil brasileiro e reforça a uniformidade, a previsibilidade e a segurança jurídica nas relações entre credores e devedores.
Autoria: equipe de Resolução de Disputas do Silveiro Advogados.
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