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Hoje entra em vigor o Decreto 11.129/22, conferindo nova regulamentação à Lei Anticorrupção – Lei n. 12.846/13. O novo decreto consolida práticas já consagradas pela doutrina e por atos administrativos de menor escalão que buscavam suprir as lacunas até então existentes. Para que você possa conferir as novidades, separamos o exame das alterações segundo os três pilares do decreto:

Responsabilização administrativa

Na parte em que disciplina a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira, o novo decreto aplica-se imediatamente aos processos em curso, resguardados os atos já praticados.

Especificamente quanto à responsabilização administrativa, a norma traz significativas alterações sobre o escopo e as ferramentas instrutórias da Investigação Preliminar (IP), consagrando a compreensão de que a responsabilização e a instauração do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) devem ser precedidas de investigação exaustiva e da formação de elementos robustos de convicção. Nesse sentido, dentre outras inovações, admite-se expressamente a adoção das seguintes providências:

  • A proposição à autoridade instauradora da suspensão cautelar dos efeitos do ato ou do processo objeto da investigação;
  • A participação de especialistas com conhecimentos técnicos ou operacionais, de órgãos e entidades públicos ou de outras organizações;
  • A solicitação de informações bancárias sobre movimentação de recursos públicos, ainda que sigilosas;
  • A requisição, por meio da autoridade competente, do compartilhamento de informações tributárias da pessoa jurídica investigada, conforme previsto no Código Tributário Nacional;
  • A solicitação, ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou das entidades lesadas, das medidas judiciais necessárias para a investigação e para o processamento dos atos lesivos, inclusive de busca e apreensão, no Brasil ou no exterior; e
  • A solicitação de documentos ou informações a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiras, ou a organizações públicas internacionais.

No tocante ao PAR, o novo decreto assegura garantias e traz mais previsibilidade aos investigados. É o caso, para exemplificar, (i) do estabelecimento de requisitos para a intimação da instauração do PAR e do ato de indiciação, (ii) da expressa necessidade de intimação da parte investigada para se manifestar sobre novas provas que sejam produzidas, e (iii) da necessária intimação, da pessoa jurídica processada, quanto ao relatório final para, querendo, manifestar-se quanto aos seus termos. Note-se, entretanto, que o Decreto prevê que, quando houver indícios de que do ato lesivo tenha resultado dano ao erário, o relatório final será igualmente encaminhado à autoridade competente para instrução de processo administrativo específico para reparação de danos.

Acordos de leniência

Em grande parte, as inovações neste ponto incorporaram as práticas desenvolvidas na celebração dos acordos, objetivando conferir maior segurança jurídica às partes envolvidas. O decreto absorveu disposições da Portaria Conjunta CGU/AGU/2019, determinando à autoridade competente que declare o cumprimento do acordo e a aplicação dos benefícios pactuados, regulando também os efeitos da rescisão do pacto pelo seu descumprimento. Além disso, no âmbito do Poder Executivo federal e nos casos de atos lesivos contra a administração pública estrangeira, fica formalizada a cooperação entre CGU e AGU durante a negociação, celebração e o acompanhamento do cumprimento dos acordos de leniência.

Pontuamos inovações substanciais quanto às tratativas prévias à celebração do acordo, tais como:

  • A proposta restringiu-se à forma escrita, não sendo mais admitida a manifestação oral.
  • Previsão de procedimento para a negociação (seguindo, em parte, o que também já constava em atos administrativos diversos), o qual prevê:
  • Submissão da proposta de acordo a juízo de admissibilidade para verificação de elementos mínimos que justifiquem o início da negociação, cujos atos ficarão registrados.
  • Determinação da assinatura de memorando de entendimento entre as partes, uma vez admitida a proposta.
  • Prevista a resilição de tal memorando, até a celebração do acordo, por quaisquer das partes. Note-se que a redação anterior permitia a interpretação de que a desistência prévia à formalização do pacto era cabível apenas à pessoa jurídica, sendo vedada ao ente público.

Destacamos, ainda, regras a respeito dos valores pagos pela pessoa jurídica no âmbito do acordo. Uma vez reparado o dano, abre-se a possibilidade de utilização do montante para a compensação de valores porventura apurados em outros processos sancionatórios relativos aos mesmos fatos, mitigando a dupla sanção financeira que é comum em tais casos. No mesmo sentido, previu-se a compensação da exigência de reparação do dano e do perdimento de valores referentes ao acréscimo patrimonial indevido, na hipótese em que estes decorram do mesmo ato ilícito e haja identidade entre ambos.

Além disso, novas disposições permitem, de maneira excepcional, a adaptação dos termos do acordo, com alterações ou substituições das obrigações pactuadas mediante o cumprimento de determinados requisitos. Ainda no ponto das obrigações assumidas pela empresa, o novo decreto instituiu cláusulas de monitoramento dos programas de integridade.

Em relação aos benefícios decorrentes da cooperação, definiram-se condições para redução da multa em 2/3, já prevista na Lei Anticorrupção, quais sejam: a tempestividade da autodenúncia e o ineditismo dos atos lesivos; a efetividade da colaboração da pessoa jurídica; e o compromisso de assumir condições relevantes para o cumprimento do acordo.

Por fim, três importantes inovações promovidas pelo decreto endereçam pontos amplamente criticados nas regulamentações anteriores. A primeira é a ampliação da competência da CGU, a qual poderá receber delegação de outros Poderes e entes federativos para o fim de negociar, celebrar e monitorar o cumprimento de acordos. A segunda é a possibilidade de que seja acordada a resolução das ações judiciais que tenham por objeto fatos que estejam no escopo do acordo de leniência. Por fim, a última é a possibilidade de compartilhamento dos elementos obtidos por meio da cooperação da empresa leniente com outras autoridades, sob a condição de que não sejam utilizados para sancionar o ente privado em decorrência dos mesmos fatos.

Programas de integridade

Embora as alterações relativas às exigências impostas aos programas de integridade pareçam singelas, alguns pontos exigirão bastante atenção das empresas. No novo Decreto, os Programas de Integridade estão regulados pelas normas do Capítulo V, que fixam os seus principais objetivos, a saber: a prevenção de irregularidades e ilícitos no âmbito organizacional e a construção da cultura da integridade.

Em particular, o art. 57, ao renovar os parâmetros para a avaliação dos programas, estabeleceu verdadeiras condições para que o programa seja considerado existente, pois sem elas, os programas não servirão para atenuar as sanções impostas às organizações pela Lei Anticorrupção. Deste modo, além de prever os recursos tradicionais dos programas de Compliance – leia-se: comprometimento da alta direção, indicação de oficial responsável, avaliação de riscos, código de ética, políticas internas, treinamentos, canais de denúncia, proteção do whistleblower, aplicação de consequências disciplinares e due diligence –, o novo decreto reproduz no art. 57 o texto do antigo art. 42, introduzindo alguns acréscimos.

Agora, o comprometimento da Alta Administração (Tone from the top) deve ser avaliado por meio de evidências demonstrem a alocação de recursos necessários e suficientes para o adequado funcionamento do sistema de Compliance. Assim, investimentos periódicos em treinamentos e ações de comunicação (inc. IV), gestão dos riscos (inciso V), gestão e monitoramento do sistema, entre outros, deverão ser destinados para a área e registrados para demonstração. A documentação de todas as evidências geradas no desenvolvimento do programa será também indispensável porque poderá ser requisitada pela CGU durante o processo administrativo de responsabilização (art. 6º, §1º, II).

A previsão exigindo o canal de denúncias tornou necessária a adoção de procedimentos para o tratamento dos relatos (inciso X), ou seja: não basta receber as denúncias, é preciso dar-lhes adequado encaminhamento para a apuração dos fatos. Em nossa opinião, ganhará relevo a documentação das investigações internas neste ponto.

Porém, foi a Due Diligence que recebeu mais acréscimos em termos de contratações (inciso XIII), reforçando a gestão de terceiros (alínea “a”, incluindo despachantes, consultores e representantes comerciais), a supervisão das PEPs (pessoas expostas politicamente) e seus familiares, colaboradores próximos e das pessoas jurídicas de que participem (alínea “b”), e determinando também a supervisão de patrocínios e doações em geral (alínea “c”). De um lado, onera-se o setor responsável pelas contratações e monitoramento de terceiros será onerado, mas, de outro lado, deve-se levar em consideração que atualmente há muitas tecnologias disponíveis no mercado para facilitar esse tipo de monitoramento.

Por fim, quanto aos parâmetros de avaliação dos Programas de Integridade, (art. 57, §1º, II, III, VII), o faturamento, a estrutura de governança corporativa e a importância de contratações, investimentos e subsídios públicos relacionados à organização são aspectos considerados na aferição da robustez do programa, nos termos do Decreto 11.129/2022. Com isso, a qualidade/eficácia das soluções empregadas na gestão do sistema de Compliance será avaliada à luz do porte e da atividade da empresa. Assim, quanto maior o faturamento, o número de colaboradores e a estrutura de governança, e quanto mais exposta estiver a atividade econômica à interação com o Poder Público, mais sofisticados devem ser esses recursos.